Causadora de graves prejuízos aos filhos, alienação parental é punível pela legislação 01/08/2016 - 15:40
Um casal se separa e, em meio ao turbilhão de acontecimentos inerentes a uma situação como esta, um dos pais procura desqualificar a imagem do outro perante os filhos. Essa cena é mais comum do que se imagina, mas não deveria. As consequências causadas às crianças e aos adolescentes que ficam no meio desse cabo de guerra são seríssimas e têm um nome: síndrome da alienação parental.
Nesta matéria especial – a última da série sobre Direito de Família – conheça melhor o assunto. Confira, ainda, ao final do texto, videoaula sobre o tema, ministrada pelo jurista Eduardo de Oliveira Leite, pós-doutor em Direito de Família e autor do livro “Alienação Parental – Do mito à realidade”. A videoaula foi gravada com apoio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) e da Fundação Escola do Ministério Público (Fempar).
Definição – Em vigor desde 2010 no Brasil, a Lei 12.318 descreve a alienação parental como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores (ou pelos avós ou por quem tenha a criança sob sua autoridade), para que ela repudie o pai ou a mãe, causando prejuízo no estabelecimento ou manutenção dos vínculos familiares. Geralmente, isso ocorre quando há um divórcio mal resolvido, ainda com mágoas e hostilidade, e os pais utilizam os filhos nessa disputa.
“São três os sujeitos que atuam na alienação parental: o alienador, que pode ser o pai ou a mãe; o alienado, que é quem exerce esporadicamente a visitação, e a criança (ou adolescente). Os efeitos dramáticos da alienação parental recaem sobre todos esses atores, mas com maior intensidade sobre a criança (ou adolescente), porque ela não tem ideia do que está acontecendo”, explica o professor Eduardo de Oliveira Leite, pós-doutor em Direito de Família.
Formas de alienação – A legislação destaca sete exemplos de alienação. O primeiro deles é o mais comum e mais utilizado: a desqualificação da conduta do genitor. São frases como: “Seu pai atrasou o pagamento do colégio”, ou “Te liguei ontem e sua mãe não deixou eu falar com você” e, ainda, “Seu pai não gosta de você” ou “Sua mãe não se preocupa com você”, que, repetidas à exaustão, acabam sendo interiorizadas pela criança. Dificultar o exercício da autoridade parental, o contato da criança com o genitor ou o exercício do direito de convivência familiar também são formas utilizadas. Ocorrem, por exemplo, quando um dos genitores não transmite ao filho o recado deixado pelo outro, quando e-mails e telefonemas são interceptados, quando presentes deixados para a criança não são entregues, quando são criados empecilhos para a visitação, quando o pai ou a mãe proíbe que o filho use uma peça de roupa ou um objeto dado pelo outro genitor, entre outras situações.
Há, ainda, pais que omitem do ex-parceiro informações importantes sobre a criança ou o adolescente, inclusive escolares ou médicas. Por exemplo, a mãe não avisa que será realizada festa de dia dos pais na escola e, quando o pai não comparece, ela diz que ele não se importa com o filho; ou o pai não conta que o filho sofreu um pequeno acidente e foi para o hospital e, quando a criança questiona a ausência da mãe, ele diz que ela não se preocupa com o filho. Outra forma citada de alienação parental é a mudança de domicílio para local distante, sem justificativa, com o objetivo de dificultar a convivência da criança com o outro genitor e seus familiares, como avós.
Há, ainda, pais que omitem do ex-parceiro informações importantes sobre a criança ou o adolescente, inclusive escolares ou médicas. Por exemplo, a mãe não avisa que será realizada festa de dia dos pais na escola e, quando o pai não comparece, ela diz que ele não se importa com o filho; ou o pai não conta que o filho sofreu um pequeno acidente e foi para o hospital e, quando a criança questiona a ausência da mãe, ele diz que ela não se preocupa com o filho. Outra forma citada de alienação parental é a mudança de domicílio para local distante, sem justificativa, com o objetivo de dificultar a convivência da criança com o outro genitor e seus familiares, como avós.
As situações mais graves, também descritas na legislação vigente, dizem respeito à apresentação de falsas denúncias contra o genitor, seja de violência, negligência ou de abuso sexual, o que pode provocar a suspensão do convívio da criança com o pai ou com a mãe. “É uma violência psíquica, uma violência psicológica imensa. Quando existe uma denúncia grave, afastar a criança é o primeiro passo e tem sua justificativa na proteção, que tem que vir em primeiro lugar. Mas nós teríamos que ter primeiro um diagnóstico: nós vamos proteger de quem?”, questiona a médica pediatra e psicanalista de crianças e adolescentes Luci Yara Pfeiffer, responsável pelo Programa HC Dedica – programa de atendimento a crianças e adolescentes em situação de violência grave do Hospital de Clínicas.
Investigação – Casos de alienação parental são observados com frequência nas Varas de Família, principalmente nos processos de divórcio em que a guarda dos filhos é discutida. Essas disputas judicias já são, por si só, tumultuadas e complexas, e o efeito emocional causado pela dissolução familiar é o mais nocivo e duradouro. “São os piores processos que a gente tem visto aqui”, ressalta a psicóloga Lígia Aparecida Cemim, do Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de Família do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
A observação de comportamentos de todos os envolvidos em um processo de ruptura familiar (pais, avós ou outros responsáveis, e dos filhos) pode evidenciar a ocorrência da prática. E, constatado qualquer sinal de alienação, é necessária uma atenção especial dos atores de Justiça: a lei prevê, inclusive, que, declarado qualquer indício, o processo deverá ter tramitação prioritária para que haja preservação da integridade psicológica da criança e do adolescente. “Toda a equipe que atua nesses casos precisa estar atenta aos sinais”, diz Lígia.
A observação de comportamentos de todos os envolvidos em um processo de ruptura familiar (pais, avós ou outros responsáveis, e dos filhos) pode evidenciar a ocorrência da prática. E, constatado qualquer sinal de alienação, é necessária uma atenção especial dos atores de Justiça: a lei prevê, inclusive, que, declarado qualquer indício, o processo deverá ter tramitação prioritária para que haja preservação da integridade psicológica da criança e do adolescente. “Toda a equipe que atua nesses casos precisa estar atenta aos sinais”, diz Lígia.
Importância de ouvir – Nesse sentido, destaca-se que, tão importante quanto a celeridade na resolução desses casos, é ouvir todos os envolvidos: a criança alvo de alienação, os pais (tanto alienador quanto alienado), os avós, enfim, quem for possível. “Se eu tenho uma suspeita de alienação, de abuso ou violência, se eu tenho uma queixa de um dos lados, nunca só um lado pode ser escutado. Os dois devem ser ouvidos, o histórico desse casal e de cada envolvido tem que ser revisto, e não apenas ter como base uma denúncia de uma criança, ou a repetição de uma história”, ressalta a médica pediatra Luci Yara Pfeiffer. Ela salienta, também, a importância de que as crianças sejam escutadas em momentos distintos do processo, e não uma única vez. “A criança sempre deveria ser ouvida, mas não para dizer com quem ela prefere ficar. O ideal é que se tenha mais de um profissional ouvindo, de áreas diferentes, e várias vezes. Um dos grandes erros cometidos hoje é aplicar questionários prontos com as crianças, porque não existe instrumento mágico de questionário que possa dar esse diagnóstico”, explica.
Além da tríade pai, mãe e criança, Luci destaca a necessidade de que outras pessoas próximas também falem durante o processo. “Os avós, por exemplo, também precisam ser avaliados. Às vezes você escuta a mesma fala da mãe ou do pai nos avós e descobre que a alienação conta com esse apoio até mesmo para que seja satisfeito um desejo de posse desses avós sobre os netos. Porque se o pai fica sozinho, ou a mãe fica sozinha com a criança, vão voltar a depender dos avós, vão pedir ajuda. A alienação não começa às vezes no pai ou na mãe, é uma estrutura que pode vir de gerações”, completa.
Danos para a criança – São os pais ou responsáveis que apresentam o mundo aos filhos, que formam a estrutura para que a criança se desenvolva. Em uma relação conflituosa e agressiva, essa imagem paterna ou materna pode ser destruída, prejudicando a referência de homem e mulher que a criança vai levar para a vida.
Além da tríade pai, mãe e criança, Luci destaca a necessidade de que outras pessoas próximas também falem durante o processo. “Os avós, por exemplo, também precisam ser avaliados. Às vezes você escuta a mesma fala da mãe ou do pai nos avós e descobre que a alienação conta com esse apoio até mesmo para que seja satisfeito um desejo de posse desses avós sobre os netos. Porque se o pai fica sozinho, ou a mãe fica sozinha com a criança, vão voltar a depender dos avós, vão pedir ajuda. A alienação não começa às vezes no pai ou na mãe, é uma estrutura que pode vir de gerações”, completa.
Danos para a criança – São os pais ou responsáveis que apresentam o mundo aos filhos, que formam a estrutura para que a criança se desenvolva. Em uma relação conflituosa e agressiva, essa imagem paterna ou materna pode ser destruída, prejudicando a referência de homem e mulher que a criança vai levar para a vida.
Foi em 1985 que o psiquiatra americano Richard Gardner definiu como Síndrome de Alienação Parental (SAP) o distúrbio em que as crianças são programadas por um dos genitores a difamar reiteradamente o outro genitor. Tal comportamento surge quase que exclusivamente no contexto das disputas de custódia das crianças. Segundo o advogado Eduardo de Oliveira Leite, essa lavagem cerebral é feita de um cônjuge para outro quando não há a elaboração do luto do divórcio, “para manter aceso o vínculo entre ambos, pois, se tivessem elaborado o luto, dariam liberdade ao outro de continuar seguindo sua vida”, explica ele. “Enquanto esse luto não é elaborado, os pais usam os filhos para atacar um ao outro e para manter esse vínculo”.
Gardner, conforme ressalta Eduardo Leite, distinguiu três níveis ou estágios de desenvolvimento da síndrome: leve, moderado ou grave, cada qual merecedor de uma abordagem diferente. E as categorias não são determinadas pelo esforço do genitor alienador, mas pelo resultado nas crianças. “Se o diagnóstico é equivocado, certamente o tratamento também será, com inquestionável comprometimento das pessoas envolvidas. O tratamento não pode se basear apenas nos esforços de manipulação do genitor alienador, mas também deve levar em consideração a possibilidade de sucesso em cada criança.”
Sinais – E são diversos os sinais que uma criança pode demonstrar quando está sofrendo. Algumas reagem com ansiedade, com nervosismo, agressividade e depressão, outras se isolam, repetem a agressividade recebida com os colegas de escola. “Algumas adoecem emocionalmente, ficam muito fragilizadas, porque na cabeça delas fica: ‘Meu pai maltratou minha mãe, não gosta de mim’, e ela pensa: ‘Como vou gostar do meu pai assim?’, ou vice-versa. Ela é absolutamente manipulada. E para o futuro, fica o vazio da figura paterna ou materna, essa ferida aberta no emocional”, exemplifica a psicóloga do TJ-PR Lígia Cemim.
Há, ainda, situações em que a criança que sofreu alienação só vai perceber as consequências quando crescer, como explica a médica Luci Pfeiffer: “Ela vai poder se questionar algum dia, e o mais difícil vai ser ela trabalhar com a culpa de ter maltratado o pai ou a mãe, de ter acreditado nas mentiras, mesmo sob influência”.
Consequências – Quando caracterizado qualquer ato de alienação parental, ou qualquer conduta que dificulte a convivência da criança ou adolescente com um dos genitores, a Justiça pode aplicar uma série de sanções, isoladas ou cumulativamente. Pode advertir o alienador; determinar a ampliação do regime de convivência com o alienado; estipular multa; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração de guarda para compartilhada ou inversão de guarda (passar do alienador para o alienado); determinar fixação do domicílio da criança ou adolescente; e declarar suspensão da autoridade parental (interrompendo a autoridade do pai ou da mãe praticantes da alienação). “Essa última é a mais grave de todas. E, em toda a jurisprudência que acompanhei, só vi um caso em que foi declarada a suspensão da autoridade parental, em todo o Brasil. O alienador perde a guarda do filho e o legislador primeiro suspende a autoridade parental, e caso haja reincidência, ela é rompida definitivamente. Essa é uma medida bem mais grave, que ocorre em um estágio gravíssimo de alienação parental”, explica o professor Eduardo Leite.
|
|
Aula técnica especial
Veja, abaixo, em dois blocos, a videoaula do professor sobre alienação parental, gravada com apoio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) e da Fundação Escola do Ministério Público (Fempar).
Aula 01
Aula 02
Outros conteúdos
A série de matérias especiais sobre Direito de Família inclui textos sobre filiação socioafetiva e os impactos do novo CPC na área. A primeira explica que, embora não exista regramento específico sobre o assunto no Brasil, esse tipo de filiação encontra respaldo no Código Civil e na Constituição Federal. Fala também dos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre a matéria e traz histórias de pessoas que têm na afetividade seu elo mais forte. A outra matéria explica que o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em março, trouxe modificações que afetam também o Direito de Família, como a possibilidade de inclusão de não pagadores de pensão alimentícia no cadastro de inadimplentes, o que tem feito com que devedores procurem regularizar sua situação.
Além das matérias especiais, o conteúdo sobre Direito da Família inclui um hotsite, voltado para população com respostas para as dúvidas mais comuns sobre o assunto. Clique aqui e confira.
Além das matérias especiais, o conteúdo sobre Direito da Família inclui um hotsite, voltado para população com respostas para as dúvidas mais comuns sobre o assunto. Clique aqui e confira.