OFÍCIO CIRCULAR - Proteção à criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência 10/04/2017 - 20:00

 

Ofício nº 02 / 2017 Curitiba, 10 de abril de 2017

 

 

Prezado(a) colega:

 

Foi publicada, em 05 de abril próximo passado, a Lei nº 13.431/2017, que Estabelece o "Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência", com aplicação facultativa a vítimas e testemunhas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade.

Dentre outras inovações, a referida lei define (e diferencia) as diversas formas de violência praticadas contra crianças e adolescentes e prevê a obrigatoriedade da escuta das vítimas e testemunhas de tais crimes "por meio de escuta especializada e depoimento especial".

A lei prevê a obrigatoriedade da instituição de parcerias/integração operacional entre os órgãos de saúde, assistência social, educação, segurança pública e Justiça, para escuta qualificada de crianças e adolescentes vítimas, assim como para seu atendimento posterior na esfera "protetiva", de modo a evitar sua "revitimização".

Dentre os direitos expressamente reconhecidos, estão o de permanecer em silêncio; de receber assistência jurídica e psicossocial qualificada, resguardando-as "contra comportamento inadequado adotado pelos demais órgãos atuantes no processo"; de terem prioridade na tramitação do processo e limitação das intervenções; de serem ouvidas em horário que lhes for mais adequado e conveniente, de ter segurança, com a contínua avaliação das possibilidades de intimidação e outras formas de violência; de serem assistidas por profissionais qualificados, tendo sua participação na diligência devidamente planejada e preparada, em especial em se tratando de criança/adolescente com deficiência ou que não compreenda a língua portuguesa.

Estabelece também uma diferença conceitual entre "escuta especializada" e "depoimento especial", que passam a ser considerados igualmente válidos como instrumentos de coleta de provas, sendo a primeira realizada junto à "rede de proteção" à criança e ao adolescente local (cuja instituição obrigatória já constava de outras leis recentes [nota 1])   e o segundo em Juízo (conforme procedimento específico definido pela própria lei), com a expressa previsão de ser realizado - uma única vez - através do "rito cautelar de antecipação de prova", a ser utilizado, em especial, em se tratando de criança com "menos de 07 (sete) anos" [nota 2]   ou "em caso de violência sexual".

Reafirma a necessidade de integração entre as políticas de segurança pública, assistência social, educação e saúde, bem como entre estas e o Sistema de Justiça, de modo a assegurar que, desde o primeiro momento, crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência sejam atendidas de forma adequada, qualificada e não revitimizante, com a capacitação de todos os profissionais responsáveis (de modo que cada qual saiba exatamente qual o seu papel, o que não deve fazer e a quem encaminhar os casos suspeitos ou confirmados), criação de mecanismos de registro e compartilhamento de informações, inclusive para fiscalização/monitoramento da qualidade e eficácia do atendimento, que deve abranger todas as necessidades das vítimas, apuradas em avaliação técnica interdisciplinar prévia, a ser realizada da forma mais célere possível após a notícia do fato.

Também dispõe sobre a obrigatoriedade da criação, pelo Poder Público, nas mais diversas esferas de governo, de programas, serviços e/ou outros equipamentos especializados no atendimento desta demanda, com a previsão de uma série de ações a serem implementadas, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da entrada em vigor da lei, pelos setores de saúde, assistência social e segurança pública, bem como pelo Sistema de Justiça, cujo eventual descumprimento pode levar à "responsabilidade" civil e administrativa do agente ao qual se atribui a ação ou omissão lesiva aos interesses infantojuvenis, nos moldes do previsto nos arts. 208 e 216, da Lei nº 8.069/90.

Embora a lei somente venha a entrar em efetiva vigência 01 (um) ano após sua publicação, a verdade é que a sistemática por ela estabelecida já vem sendo defendida (e em muitos casos já implementada) em todo o Brasil, valendo lembrar o contido na "Nota Técnica" relativa à escuta de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência há algum tempo expedida pela Comissão Permanente da Infância e da Juventude - COPEIJ, da qual este CAOP faz parte, bem como das orientações e do material relativo ao tema publicado em nosso sítio eletrônico (vide os tópicos "Combate à Violência", "Depoimento Especial" e "Entrevista Investigativa").

Desnecessário dizer que as ações previstas em lei (que como visto vão muito além da atuação do Sistema de Justiça) irão demandar o reordenamento e mesmo a criação e/ou especialização de programas e serviços em âmbito municipal [nota 3], para o que será necessário adequar as propostas orçamentárias em fase de elaboração nos municípios (Plano Orçamentário Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária de 2018), razão pela qual fica a sugestão que, desde logo, sejam neste sentido alertados os gestores públicos e Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente, de Saúde e de Assistência Social.

Também oportuno adequar (e elaborar, caso isto ainda não tenha sido feito) os Planos Municipais de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes, que a exemplo dos demais Planos de Atendimento correspondentes às diversas políticas públicas em matéria de infância e juventude, precisam ser incorporados às citadas propostas de leis orçamentárias - e com a mais "absoluta prioridade" - , nos moldes do preconizado pelo art. 4º, caput e par. único, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, caput, da Constituição Federal. [nota 4]

Espera-se, enfim, que essa nova lei permita a instituição, de uma vez por todas, de uma sistemática diferenciada, especializada e qualificada para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, assegurando que a atuação dos órgãos públicos competentes ocorra de forma célere, adequada e não revitimizante, contribuindo assim para reverter os vergonhosos índices de impunidade e violação de direitos que, infelizmente, ainda permeiam a matéria.

Sem mais para o momento, na certeza de que o Ministério Público não se furtará em exercer um papel fundamental na implementação de tal sistemática em todo Estado do Paraná, renovamos votos de elevada estima e distinta consideração.

 

MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO
Procurador de Justiça - Coordenador

 

Notas do texto:

Em especial a Lei nº 13.010/2014 que, dentre outras inovações, acrescentou o art. 70-A à Lei nº 8.069/90, que contempla uma série de ações a serem obrigatoriamente implementadas pelos municípios no sentido da prevenção e atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência.

Acreditamos que houve aqui um erro de redação, pois para crianças com idade inferior a 07 (sete) anos, o mais indicado pela literatura especializada é que sua "escuta qualificada" não ocorra em audiência, ainda que sob o rito diferenciado previsto nesta lei. Essa constatação é também reforçada pelo fato de o dispositivo se referir ao uso do "depoimento especial" para escuta também de "adolescentes", o que não ocorreria, caso tal sistemática fosse, de fato, destinada apenas a crianças com idade inferior a 07 (sete) anos. O correto, portanto, é restringir a possibilidade do "depoimento especial" a crianças maiores de 07 (sete) anos e adolescentes, devendo crianças menores de 07 (sete) anos ser ouvidas de forma diferenciada, por técnicos da "rede de proteção" à criança e ao adolescente local.

Nos moldes do que, aliás, já é previsto pela Lei nº 8.069/90 (sobretudo após o advento da Lei nº 13.010/2014), assim como pelas Leis nºs 12.845/2013 e 13.257/2016.

Sobre a matéria, vide o tópico "Elaboração de Planos Municipais" também publicado em nosso sítio eletrônico (disponível no link: https://crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1729).

 

Matérias relacionadas:   (links internos)
»   Combate à Violência
»   Depoimento Especial
»   Elaboração de Planos Municipais
»   Entrevista Investigativa
»   Publicações:   Depoimento Especial

Notícia relacionada:   (link interno)
»   (05/04/2017)   LEGISLAÇÃO - Lei assegura direitos e garantias de criança e adolescente vítimas de violência

Ofícios relacionados:   (links internos)
»   (23/08/2016)   Of. Circular nº 550 / 2016 - Depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas de violência
»   (15/07/2016)   Of. Circular Conjunto nº 001 / 2016 - Ofício conjunto com CAOP Criminal sobre depoimento especial
»   (06/04/2015)   Of. Circular nº 071 / 2015 - Escuta de vítimas de violência
»   (17/06/2013)   Of. Circular nº 072 / 2013 - Combate à Violência - Depoimento Especial

Download:   (arquivos PDF)
»   Nota Técnica nº 01/2015 - COPEIJ / GNDH / CNPJ, Brasília/DF   (06/03/2015)
»   Resolução nº 20/2005 - ECOSOC/ONU   (Crianças Vítimas ou Testemunhas) - [português]
»   Resolução nº 20/2005 - ECOSOC/ONU   (Crianças Vítimas ou Testemunhas) - [inglês]

Referências:   (links externos)
»   Lei nº 13.431/2017, de 4 de abril de 2017   (Depoimento Especial)
»   Lei nº 13.257/2016, de 8 de março de 2016   (Marco Legal da Primeira Infância)
»   Lei nº 13.010/2014, de 26 de junho de 2014   (Lei Menino Bernardo)
»   Lei nº 12.845/2013, de 1º de agosto de 2013   (Vítimas de Violência Sexual)
»   Lei nº 8.069/1990, de 13 de julho de 1990   (ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente)
»   Projeto de Lei (PL) 3.792/15   (Câmara dos Deputados)